terça-feira, 23 de junho de 2009

"Olá, Maria"

Era uma menina de cabelos negros e lisos, parecia uma pequena diva a querer ser grande na pose e nas maneiras de falar. Discreta mas com um ar simpático, amigável e terno. Aparecia bastas vezes, misturada no meio do turbilhão barulhento dos degraus das 17h45.
Quando vinha, trazia luz no seu olhar muito vivo e ansioso de conversar. Contava histórias de brincadeiras, sorria a dizer “olá” e quem a via chegar alegrava-se por cá a ter. Chegou a ensinar o caminho para casa, lembro-me de uma vez, a primeira que a levei, estava perdido, não conhecia o rumo e ela, muito esperta no banco de trás, cabecita levantada a indicar: - “Paulo, vai por ali!”. E eu sorria interiormente por ter a felicidade, afinal, de a ver crescer e aos outros, por sentir no fundo que um dia, quando fosse grande, ia lembrar-se de mim com o mesmo sorriso com que me dizia boa tarde no turbilhão traquina das escadas.
Às vezes ainda a ouço no meio de todos os outros que nos acompanham dia após dia. Parece estar ali a brincar como sempre esteve. Nem sequer olho, para não estragar o sonho.
Naquele dia, à hora de almoço, entrei no recreio à procura do Diogo e logo ouvi uma vozinha familiar vinda do meio da brincadeira, a voz dela a chamar-me : “- Paulo! Olá!!” – “Olá, Maria”- respondi, na rotina de quem tem que dizer dezenas de “olás” pelo dia fora. Porque um “olá” rotineiro não traduz os sentimentos que nos enchem em relação àqueles minúsculos seres humanos que se tornam bons gigantes connosco. São muito maiores e vêem-se verdadeiramente na ausência. No vazio. Mesmo assim sinto um buraco interior quando me lembro…
Quem me dera voltar à escola para ouvir de novo aquele “olá”. De certeza que lhe daria mais do que duas simples palavras. A Maria João brinca agora num recreio distante e não vai ser grande e tão pouco lembrar-se de mim. Nunca mais vai subir os degraus, nem os da vida, tão pouco os do Fantasiário. Todavia, tenho uma certeza: para nós ela continua aqui, e sempre que chegam as traquinas 17h45, vem a lembrança e a esperança, ainda que vã, de um novo “olá”.

http://aeiou.visao.pt/menina-de-sete-anos-estrangulada-pelo-pai-com-video=f510605

(Junho 2009)