quarta-feira, 19 de março de 2014

PAI


Sentido que procuro numa espera eterna, até à morte terna
Imagem que se esbate numa era que não passa.
Hoje sinto-te longe, mais que nunca, ó Pai
(e queria-te aqui perto)
Quem és e que ser foi este que criaste,
Tão triste…
Tão sombra de ti, tão lágrima que ferve
De saudade feroz
(revolta pelo tempo vazio da tua voz).
Serás canção de embalar, de calor de luar
Sentido, doce abrigo que procuro, louco, nesta hora
Na memória que roubei ao sonho.
Faltam-me teus relâmpagos que nunca vi
Teu esgar severo que jamais senti
Teu abraço protetor, teu manto de amor…
Ó pai! gritar ao mundo teu nome, chamar-te bem alto!
Correr, contemplando teus braços alados,
Voando no vento ansiosos, orgulhosos
De mim.
Pai.
Palavra que fere. Vazio cansado de si.
Amargura, pai.
Devolve-me ao menos a lembrança da canção que me cantaste um dia,
Sentado em teus joelhos secos, feliz pelas histórias que nunca me contarias.
rodriguez 2014

domingo, 9 de março de 2014

PALINGENESIA V (Vénus renascida)

Seguia por entre os pinheiros a cheirar a pinho molhado, uma forma de deambular o odor de um outono reminiscente de melancolia fria, distante incessante. Era seminoite, uma urna na memória, um fosso no peito, pronto a recebê-la. Sempre ofegante, sempre diante do abismo que não tem fim, um monstro que me atormenta dias e dias e noites. Às vezes é cego meu lamento, outras, desço pela porta entreaberta do fosso, querendo dormir, querendo partir. E é sempre fosco meu horizonte. Sempre terna todavia minha melancolia.
Quando o riso efémero entrevê esse lado terno, mistura-se o peito com a vontade e a aura de rosas rubras, sempre rubras, sempre curvas ascendentes buscando sol, luz de umas mãos macias, carícias maternais que não voltaram mais, porque tão pouco estiveram…
Então é tempo de um novo acordar, peito cheio de ar, mãos altivas, tristezas cativas. Sente-se o perfume de uma nova era, épica, luminosa, vertiginosa. A angústia severa desiste, o coração resiste ao medo, como num doce segredo, navega em mar sereno, com gaivotas em terra.
Mas devo voltar ao porto em breve… e as gaivotas estão lá. E a tempestade é cruel, crua, nua de rosas. E retorno à floresta de pinho, à porta do ocaso, desço, de sentimento cheio de esperança na desilusão, é doce, é terno, é já inverno. A última agulha do pinheiro mergulha numa atmosfera fria, esvoaçando até minhas mãos vazias. Carícia derradeira. O nada que eu sou ali transformado num momento sublime de ausência.
Como naquela tarde em que vi teus lábios rubros dizer teu amor… como naquela noite em que me deitei sob teu manto de céu estrelado.
(rodriguez 2014)