Lembro-me de num dia de boémia coimbrã ter salvado um caloiro
de corte de cabelo trendy de ser “tosquiado” por uma “trupe” de doutos
veteranos, cujo ofício, diziam, era salvar as mentes irresponsáveis da má vida,
integrando-os numa academia que acolhe os seus novos membros com penitência em prol de um curso sadio.
Senti-me orgulhoso por ser um “quartanista” de esquerda, que ousou enfrentar o
código ancestral da praxe, além, claro está, de ter ganho uma noite gratuita de
copos.
Gostava em geral dos hábitos académicos oficiais e suas
artimanhas mais ligeiras. Sentia-me vaidoso de traje académico vestido, capa
bem proeminente em seus símbolos rigorosamente contados e colocados, nada de
exageros como aqueles que até da Renault colocam emblema. Os dias de Queima
eram um desfile de orgulho em tons negros, e a praxe em seu código o alicerce
ancestral dessa vaidade.
O Pratas era o nosso clube, os jardins da AAC o passeio da
fama, a faculdade o santuário… a Sé Velha o local do culto. Quando se recebiam
caloiros, bebiam-se copos de traçado, cantava-se o fado mal cantado, o Eferreá…
as caloiras mais bonitas eram galanteadas e os caloiros mais antipáticos
pagavam o traçadinho. Era assim a praxe no período pré-recessão.
Hoje vivem-se tempos onde um fado mal cantado não é ritual
altivo. Aldeia mais global espalha hábitos zuckerberguianos entre as hostes
rebeldes urbanas ou simplesmente mais atentas. Crise de contas, comércio e
valores profundos. Mundos que colidem em busca de uma nova harmonia, ou a
História a escrever as suas linhas em capítulo trágico. Juventude à toa, sem
porto, sem farol, sem futuro… perdeu a vaidade pura, de um dia ser alguém,
enquanto passeia o traje escuro em ruas cinzentas.
Mais vale ser vaidoso porque
reinventou o conceito-estatuto de estudante universitário: sem sombra de
horizonte, sequela rentável e adulta de licenciatura, o jovem teme de morte o
vazio que se avizinha após o Mestrado-Bolonha. Então, com razão, o estudante
vaidoso torna-se praxista, empresta conteúdo e substrato ritualista à
neo-cultura da praxe. Como se fosse a sua vida feliz última, toma-a nas mãos e
quer torna-la dourada. Hiperboliza então aquele como o único lugar de
felicidade. Autêntica Babilónia de sentidos à mão de eternizar, a Universidade
torna-se paralelamente num antro sociológico de conhecimento sem filtro, sem
regras, sem os valores de outrora. Saberes ao serviço de prazeres derradeiros.
Surge o “Clube dos Praxistas Mortos”, membros “sagrados” de
um culto novo, cuja vertigem do abismo típica de qualquer sociedade secreta,
tem efeitos imprevisíveis. Assim se interpretam os acontecimentos recentes da
praia do Meco, acho eu…
(rodriguez 2014)