domingo, 20 de julho de 2008

MARÉS VIVAS
















Tim Both e os James; Ray Manzarek e Roby Krieger; Macey Gray

"EU FUI..."
A noite começou com uma francesinha, porque prometia ser longa e convinha "aconchegar" o estômago para o desgaste de energia, ainda mais quando se sabia que alguém dos míticos The Doors iriam estar mesmo ali, junto ao Douro, a esfregar guitarras e teclas como nos velhos tempos. Já lá vamos.
A organização do festival “Marés vivas” está ainda muito arcaica. Foi uma hora passada na fila para entrar, enquanto lá dentro Macey Gray soltava sons RMB e soul abafados pela turba. Mas o espírito festivaleiro faz esquecer o resto: as t-shirts de Jim Morrisson espalhavam-se pela margem do rio, penduradas em “carcaças” andantes na casa dos 20, 30, 40, 50 e até 60 anos, sentia-se o cheiro saudoso do haxixe numa atmosfera quente, o público notava-se em geral muito heterogéneo. Sinal dos tempos.
Já em frente ao palco, vi a entrada triunfal dos Riders on the Storm, onde pontificam 2 consagrados elementos da mítica banda de Jim Morrisson: Roby Krieger e Ray Manzarek, este o proclamado líder de uma banda que não é mais do que uma sombra obscura e incompreensível dos The Doors. Apesar dos acordes blues inconfundíveis, do som a lembrar flower power e sex, drugs and rock’n roll, Manzarek parece claramente senil e acaba por expor os restantes membros do grupo (Brett Scallions, ainda assim, consegue fazer lembrar Morrisson de forma nada forçada) a uma situação pouco menos que ridícula. Entoa o nome de Jim Morrisson em tom de oração inflamada, tentando cativar e entusiasmar a turba e exagera claramente no protagonismo que chama a si entre cada música, quer seja pelos gritos a lembrar James Brown, quer seja pela forma quase patética como se dirige ao público. A determinada altura, pelo discurso e pose de Manzarek, perguntei-me se os americanos já sabem que Portugal é hoje um país da moderna Europa, livre da ditadura e do atraso pelo menos cultural, em vez de uma qualquer obscura província espanhola.
Sentia-me à partida claramente entusiasmado por poder ver de perto e ouvir os míticos membros de uma das bandas que mais me marcaram a adolescência. Lembro-me de rabiscar cadernos com letras de Morrisson, de usar t-shirts, apesar de não ser contemporâneo da banda. The Doors, mais do que um estilo ou tipo musical, é um estado de espírito. É por isso que não dou por mal empregue o concerto. Apesar de penoso para os meus acompanhantes, foi emocionante qb ouvir ao vivo os acordes originais de "Light my fire", "Love me two times" ou "Love her maddly" (quem desdenharia?). Mas senti claramente as portas a fecharem-se. Fim.
James. Os James são outra referência da minha adolescência. Referência obviamente mais presente, pela contemporaneidade da banda e pela minha afinidade de longa data com a pop britânica. Estavam já 20 mil pessoas na plateia.
Banda consensual, os James conseguem fazer parar canções pop no tempo, como se o tempo não passasse e “sit down” fosse já ali. Mas não, é uma faixa de 89! Tim Booth e seus pares (destaque para um inesperado Andy Diagram de vestido vermelho) entoaram uma série infindável de autênticos hinos que ninguém ousa ignorar: “She’s a star”; "Say something", “Born of frustration”; “Out to get you”; “Sound”; “Ring the bells”; “Tomorrow” (talvez a minha faixa preferida); e o inevitável “Sometimes” (último encore antes do apoteótico “Laid”).
Os James tocaram ainda muitas mais da sua famigerada panóplia de hits pop, com destaque para o incontornável “Getting away with it all (messed up)”, tendo encaixado pelo meio, de uma forma muito apropriada, algumas faixas do novo álbum “Hey Ma”, onde se destaca o politicamente correcto single homónimo.
Viu-se em Gaia um Tim booth a irradiar simpatia, pela sua energia e por uma pose em palco feita de mutações baseadas em duas décadas de experiência enquanto intérprete: ora vibrava e empolgava o público com uma maneira ágil e quase apocalíptica de dançar (bem ao jeito dos interpretes das bandas pop britânicas); ora parava a contemplar a maravilha do efeito da sua música na multidão extasiada. Booth apresentou-se como uma espécie de Dandy descontraído, romântico esguio, em sua camisa branca a transmitir a ingenuidade de muitas das suas músicas.
O final do concerto foi altamente festivo, apoteótico, com várias dezenas de fãs a saltar para o palco para acompanhar ao som das palmas e dos saltos a performance final dos James, “Laid”. Nem sequer faltou um hilariante Jim Morrisson a esta celebração final da música pop. Quem lá esteve percebe porquê. Eu estive e confesso que foi pouco menos que arrepiante ver os olhos encovados de Tim Both emocionados pelo calor de um público que continua a adorar os James. O Porto, como os próprios disseram, é um sítio marcante para a banda.
O concerto foi marcante também para mim.

sábado, 12 de julho de 2008

PEQUENOS MAQUILHADORES DE MULTIDÕES


A feira de Custóias é uma feira como tantas outras, só que maior em tamanho e em quantidade de vendedores ciganos. Fui lá hoje, foi muito instrutivo e extremamente divertido. Com a crise, as pessoas atulham-se à volta das bancas dos ciganos que vendem produtos a preços impossíveis, atendendo à imagem dos mesmos artigos. Ele há t-shirts da D&G, Armani, Nike ou Lacoste; sapatilhas de marcas do mesmo nível; sapatos e roupas femininas da Zara e mais não sei de que boutiques de shopping e, principalmente, óculos de sol da Ray-Ban, Armani e tal. É uma autêntica loucura, um apinhar de gente que não olha para o lado, tão concentrada que está a remexer as quinhentas mil t-shirts à procura do seu número. Enquanto isso, o cigano alegre e acima de tudo consciente da sua missão naquele local, dá ares de “jongleur” das vendas, quer seja porque se sente vaidoso por conseguir apresentar material tão convidativo a um preço imbatível a fregueses incrédulos sedados pelas maravilhas expostas, quer seja pela linguagem e artimanhas verbais usadas para chamar a si a clientela.
Um cigano não tem tempo para perder, porque amanhã há outra feira em Fermentelos ou na Quinta do fim do mundo, por isso exprime a sua ânsia em despachar a carga prevista, antes que resolva aparecer alguém incómodo a cobrar taxas. A retórica parece simples, mas denota uma sapiência psicológica acumulada por décadas de experiência e gerações e gerações de clientes que, levados pela futilidade da aparência, preferem uma t-shirt contrafeita da Nike a outra qualquer de melhor qualidade. A imagem maquilhada com pó de arroz barato de uma sociedade consumista leva a classe média-baixa à banca do cigano janota e perspicaz.
O cigano é uma espécie de líder da plebe, conhecedor da psicologia das multidões. Usa e abusa de termos e expressões verbais proferidas em tom quase sempre histérico como: “Olha a cigana perdeu a cabeça, tudo a 5 euros!!!”; “Ai, ai, ai, ai, tudo a 5 euros!!”; ou “A cigana é uma porca!!! Venham ver!!!” (Esta mais difícil de descodificar). Ouvem-se ainda graçolas do género: “Venham à tenda do primo do Quaresma!”ou “Podem levar, convém é pagar, 1 euro!! Se não pagarem, levam de borla!”. Houve ainda uma cigana de meia idade que pegou no puto que estava a remexer em bijutaria debaixo da banca e, depois de lhe atirar com dois calhaus à cabeça, deu-lhe uns valentes bofetões. Era o filho. Hábitos diferentes e o respectivo choque cultural.
Há muito quem critique os ciganos. Não irei por aí. Acho-lhes demasiada graça para o fazer. Tenho a consciência que se não fossem eles, na sua tez escura, seus modos desconfiados e grosseiros, suas mulheres gordas de seios enormes e semi-descobertos e seus putos ranhosos e chorões, não haveria jovem de bairro deste país que vestisse Nike ou passeasse por essas ruas citadinas todo feliz em suas calças rasgadas e óculos de sol “marcados”, a dar ares de Cristiano Ronaldo. Isso para mim pode até não ter dignidade alguma, mas são pérolas para muita gente. E parece ser essa a função do cigano nesta sociedade em queda: Reequilibrar a balança da desigualdade social ao nível das aparências. Podem ser frágeis as máscaras e falsas as pérolas vendidas pelos ciganos, mas maquilham e enfeitam os sonhos dos pobres, nem que seja enquanto a T-shirt não vai à máquina de lavar.

sexta-feira, 4 de julho de 2008

Pásion


Noiva das horas amargas
Perfumes de fragas ao luar manhoso
Excerto de mágoa doce
Primavera alada
Tristeza sem nada.
Foge comigo para o eterno sol da aurora
Vamos agora, sem demora
Porque o fogo vai longe
Árdua figura que me afaga a amargura
Quando é pó meu pensamento
Quando o momento dura no ocaso da paz
Tanto faz que sejas espada alada
Ou copa cerrada
Se és tu, em tuas cores com dores e curvas
Sempre amparando lágrimas surdas
Sempre perene na madrugada rosada
Sempre ao leme por um mar onde o tempo jaz
Botão de rosa amante, andante pelo futuro radiante
Silhueta de bloquear o relógio sem rumo
Como numa melodia encantada
Porque és vida folha alva pela felicidade riscada
Porque serão sempre belos os versos que te afagam.
(para Daniela)