Desço a calçada ardente olhando o casario doente. Um pedaço de lixo esvoaçante provoca arrepio pela dança que transporta a impressão do gesto humano e sua presença térrea. O som do auto rádio é belo, semente de amargura sentida, um veludo que roça a alma. E vou por ali abaixo olhando o passado de peças de puzzle desencaixadas e à espera de harmonia. Às vezes sinto-me feliz, porque alguém me sorriu com vontade. Mesmo naquele momento. Foi lindo.
Outras choro por dentro, onde por fora sorrio. É sempre assim. Um dia vou dormir e depois o sorriso eterno mais não será que ironia vã. Quem deixei para trás talvez não merecesse outra coisa. Quando me dizem que lhe dêem um punhado de notas e farão uma fortaleza à prova de dor, um mundo de felicidade e amor, penso que é sim, talvez eu fizesse o mesmo! Mas depressa me baixo sob o peso do sol ardente. Curvado perante o vazio que é a incompreensão. Ansiando por abraço antigo, por palavras de amigo.
Prefiro o sonho de alguém que me afague a nuca, por entre uma música que flutua entre sussurros. Sorrisos mudos. Sinceros e cúmplices olhares, ternos esgares… sonho a liberdade de um peito cheio de ar numa manhã de visitas surpresas, alegria sobre as mesas numa comunhão de afectos que não é falsa, é feliz. Sonho ser homem que não pede perdão por respirar mais alto, não se curva à espera de reconhecimento do global conceito.
Acordo e a vida recomeça. Mais um dia, mais uma luta. Um dia será assim.
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