sexta-feira, 23 de novembro de 2012

ANIVERSÁRIO

I
(Roda gigante na vertigem do abismo que cresce numa frequência pausada mas certa. É o correr de mais horas de rotina agridoce. Numa hora ternura, noutra ilusão, noutra dor)A vida ainda há pouco tenra endurece como o pão que não comemos há três dias, depois é pedra, mesmo que o coração prevaleça mole. As repetições diárias têm sempre um toque novo, porque um emergente traço de luz invade o reflexo de olhos gastos pelo foco eterno.
O raio de luz que faz girar e respirar de ânsia a cada dia que passa, num café matinal ou num gesto de delicada sinceridade. Depois a turba lenta que volta, dormente, entre telefones e carros vibrantes que se disparam apressados e cansados. Sempre como numa obrigação eterna, num sacrifício, uma maldição de rara liberdade.
II
Flores que lembram vidas que foram jovens e vibrantes, agora memória quase esquecida colorida, antítese de vida. Melancolia sombria num peito prensado, falho de raiz, referência maternal. Mãe. Repousa na terra como semente estéril, fecunda de memória infeliz, de vulto ausente que sussurra saudade. Sinto a tua falta, de ti, quem nunca conheci. Viajo pelo pátio da casa velha, entre bicicletas ferrugentas e inúteis, pedras também esquecidas. Procuro-te no fermento dos dias agitados, em analepses sucessivas com cores empalidecidas. Agora passo junto ao jardim onde repousas sem parar, com medo de uma vez mais contemplar o teu silêncio vazio. Nunca mais.
rodriguez 2012