I
(Roda gigante na vertigem do abismo que cresce numa
frequência pausada mas certa. É o correr de mais horas de rotina agridoce. Numa
hora ternura, noutra ilusão, noutra dor)A vida ainda há pouco tenra endurece como o pão que não
comemos há três dias, depois é pedra, mesmo que o coração prevaleça mole. As
repetições diárias têm sempre um toque novo, porque um emergente traço de luz
invade o reflexo de olhos gastos pelo foco eterno.
O raio de luz que faz girar e respirar de ânsia a cada dia
que passa, num café matinal ou num gesto de delicada sinceridade. Depois a
turba lenta que volta, dormente, entre telefones e carros vibrantes que se
disparam apressados e cansados. Sempre como numa obrigação eterna, num
sacrifício, uma maldição de rara liberdade.
II
Flores que lembram vidas que foram jovens e vibrantes, agora
memória quase esquecida colorida, antítese de vida. Melancolia sombria num
peito prensado, falho de raiz, referência maternal. Mãe. Repousa na terra como
semente estéril, fecunda de memória infeliz, de vulto ausente que sussurra
saudade. Sinto a tua falta, de ti, quem nunca conheci. Viajo pelo pátio da casa
velha, entre bicicletas ferrugentas e inúteis, pedras também esquecidas.
Procuro-te no fermento dos dias agitados, em analepses sucessivas com cores
empalidecidas. Agora passo junto ao jardim onde repousas sem parar, com medo de
uma vez mais contemplar o teu silêncio vazio. Nunca mais.
rodriguez 2012
Sem comentários:
Enviar um comentário