Confesso alguma ansiedade pela visita à cidade de todos os sonhos, aquela a que Thomas Jefferson apelidou de segunda pátria da humanidade, que eu vejo mais como a morada onde o espírito de Vénus vagueia. Boa ideia esta de ver um filme que se enquadra na perfeição num ambiente nocturno romântico de uma cidade onde a luz não será apenas apelido.
O filme de Baz Luhrmann é uma orgia de cor, romance, música, tristeza, dor, amor. Mas vamos por partes. A película, pretensamente musical, é um hino à boémia romântica parisiense do final do século XIX. Um escritor inglês de nome Christian (Ewan McGregor), novato em Paris, talentoso aspirante aos meandros artísticos da cidade-luz, mistura-se acidentalmente na troupe boémia de, imagine-se, Toulouse-Lautrec (John Leguizamo). Zidler (Jim Broadbent), o patrão do Moulin Rouge de então dirige uma casa que é mais do que uma sala de espectáculos. Toda a nobreza e alta burguesia parisiense ali desfila nas noites quentes potenciadas por belas mulheres, dispostas a tudo. Christian é proposto para escrever uma peça para o Moulin Rouge, cujo destino depende de um poderoso Duque (Richard Roxburg).
Conflito: Satine (Nicole Kidman), a mola que tudo despoleta. A mais bela cortesã de Paris, prometida ao Duque por Zidler, apaixona-se pelo escritor inglês como quem trai a sua própria natureza, adquirida com uma vida de sexo e luxúria. Christian encanta-a com as incontornáveis palavras de poeta, que chamam o amor nas noites frias. O argumento é todo ele clássico, de tragédia grega, ou não tivesse Luhrmann rodado Romeo And Juliet.
Ideologicamente, os valores presentes não fogem da convencional salvação do artista perante o poder materialista através da liberdade, da beleza e do amor. Convencional para os preceitos das vanguardas modernistas da Belle époque, entenda-se. De Resto, em termos de mecânica intertextual, são nítidas diversas referências de certa forma codificadas a músicas ou mesmo clássicos do cinema, como é exemplo a colagem a The sound of music, de Robert Wise, (1965). Por falar em música, a banda sonora, diacronicamente estranha ou mesmo inadequada, serve imperativos interpretativos e cognitivos dirigidos ao espectador. Quando Luhrman cola uma cena do filme a uma música dos Queen ou dos Police, espera do espectador um conhecimento à-priori, que leva a um entendimento perfeito da cena em si. De resto, em termos puramente comerciais e de propaganda às ambiências do espaço Moulin Rouge, a colagem funciona na perfeição.
O charme clássico de Moulin Rouge de Luhrmann é também alicerçado em A Dama das Camélias de Dumas filho ou no mito de Orfeu, o Deus grego da música que tem que salvar a sua Eurídice do submundo. Até o coro está presente nos boémios modernistas da companhia de teatro. Tem além disso, o filme, um charme contemporâneo que nos é dado inevitavelmente pela beleza pura e ao mesmo tempo sofisticada de Kidman, autêntica deusa grega dos nossos dias, e pela banda sonora marcadamente pop, a fazer lembrar os espectáculos da Broadway ou dos Cabarets. As cores são garridas, os trajes muito mais do que provocatórios, os ambientes escuros e quentes, românticos e muitas vezes poeticamente intimistas.
Quando me preparo para visitar Paris no final do mês, senti-me claramente deslumbrado com o filme, que incompreensivelmente ainda não tinha visto. Aconselho, mesmo àqueles que desconfiam da estética massiva das grandes produções de Hollywood. Um filme verdadeiramente marcante, come what may.
1 comentário:
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