terça-feira, 21 de outubro de 2008

"dEUS é grande"

Hoje que os dEUS actuam no Porto e eu infelizmente não vou poder estar presente, apetece-me, em vez de discorrer sobre as cambiantes e estéticas musicais da banda, contar um episódio algo burlesco que marcou para sempre a minha ligação a esta banda belga de pop-rock progressivo de características mescladas onde o punk também faz aparição.
Estudava eu em Coimbra, nos tempos em que os concertos da Queima ainda se desenrolavam no parque, do lado ocidental da cidade cuja alma não dorme. Por entre garrafas e copos de cerveja e de shots, de um cheiro nauseabundo a urina e muitas vezes a vómito; os acordes do rock, da electrónica e dos sons pimba das barracas espalhavam-se numa atmosfera zonza, onde as cabeças chocavam, os sorrisos patetas vagueavam expostos por cima de capas pretas ambulantes, em câmara lenta. Sempre em câmara lenta.
Era dia dos Gene Loves Jezebel, quem não se lembra desta banda mediana? Mas para mim e para os meus dois grandes companheiros de jornada académica, os dEUS chamavam-nos ao parque, queriamos "For the roses" e "Suds & soda". Os dEUS chamavam-nos e a boémia alcoólica, entenda-se, porque a Queima era mesmo para aliviar ao extremo neurónios cansados... de quê? talvez muitas vezes de estagnação.
Descemos pela Praça da República até à Ferreira Borges e contornámos até às bilheteiras não sem antes parar num café que havia ali junto ao stand nem me lembro de que marca, para atestar os depósitos, entenda-se. Uns finos e estávamos prontos para ver deus. Grande contrariedade: a multidão descontrolada em frente aos quiosques de bilhetes. Parecia que de bilhetes gerais ninguém tinha ouvido falar. O caos. Mas nós éramos respeitadores, correctos nas questões do civismo (...). Colocámo-nos na fila que era larga... aliás, não seria bem uma vulgar bicha, mas mais um amontoado anárquico de capas pretas sem braços, apenas com cabeças zoadas à espera de ver diante de si algo parecido com uma janela falante.
Mas há sempre quem não goste de cumprir questões de ética social e vai de dar o vulgo "golpe" da fila. Assim, como quem não quer a coisa, avançando em diagonal na direcção da janelinha dourada. Passa um, passa dois, encosta daqui, amassa dali e lá estava ele colado a nós na dianteira, de sorriso subtilmente triunfante, porque queria disfarçar. Lembro-me de olhar para os meus eternos comparsas, indignado. Um deles, indignado como eu e pronto a retaliar à sua maneira, sempre uma maneira veemente e comicamente marcante, mas o outro, calmo, sereno, como se tudo fosse normal, como se fossem momentos de alívio ou prazer.
O odor a urina nem se fazia notar, mas a capa académica do "amigo" golpista ia ter dias de fragrâncias difíceis.
"Estou a mijar e ele está-se a rir"... Palavras sábias e oportunas. Os golpes só resultavam mesmo connosco, nas filas das amarelas. Ali não, porque os dEUS estavam a actuar e não mereciam traições.
PS: Quem sabe "do que eu estou a falar" que se pronuncie...

3 comentários:

João Rodrigues disse...

looool... já ouvi essa história dezenas de vezes e acho-lhe sempre muita piada :D
não assisti à cena, claro... mas adorava ter visto :)
abraço!!!

Anónimo disse...

Eu sei bem do que falas!
Também por lá passei!!!!
Recordo ainda, os apertos, os amassos (alguns, em jeito de apalpões!)! As filas que pareciam não terminar!!! E a vontade frenética em entrar no recinto de todas as loucuras! Daí que, por vezes, os "penetras" fossem, algumas vezes, enxovalhados! Mas, enfim, naqueles dias,desculpa, naquelas noites, quase tudo era permitido!!!
Bons tempos, que através deste teu pequeno episódio pude carinhosamente recordar e, com o qual, também me revi!!!

Azoreano Náufrago disse...

Entre os inúmeros episódios que marcaram a nossa passagem por Coimbra, este aqui relatado, é aquele que me vem com mais frequência à memória! Às vezes dou por mim a rir sozinho quando o recordo...
Naquela noite, e naquele amontoado de capas negras, se quisesse coçar o nariz, teria de pedir ao "morcego" do lado. Era impossível levantar o braço. O cigarrito era todo consumido sem sair dos lábios. O excesso de cerveja obrigava a muitos desvios até às margens do Mondego.
Mas naquele momento, era impossível sair dali. Nem para a frente, nem para trás e nem para os lados...
Aquele sujeito era alto e tinha a mania que dava o "golpe". A minha mão estava em baixo, bem perto da braguilha. A vontade voltava a apertar. E nem foi preciso encher-me de coragem para lhe urinar em cima. Enquanto isso, ele ria. Ria muito. E nós também!
Ainda hoje me orgulho de tal feito heróico!
Ah, e aquele concerto de dEUS foi sem dúvida o concerto da minha vida!
Um grande abraço para vocês dois e que se "fodam" os encontros de hora em hora, na Florbela Espanca!