terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

MATERIALIZAR VÍCIOS

I- Fotografia
Passa a infância, passa a juventude, passa o tempo, passam os sonhos.
Não passam, não. Podem até ser adiados, mas não têm que desaparecer.
Sempre fui um bom observador de fotografia, sempre me incomodou a forma como as pessoas tiram fotografias nos casamentos, nas festas idiotas de Carnaval ou até mesmo na praia e nas paisagens bonitas. Porque sempre me pareceram demasiado óbvias e previsíveis aquelas imagens, sempre muito "centradas" ou focadas em coisas parvas, como caras sorridentes e dias de céu azul.
Nada tenho contra dias de céu azul, admiro-os até bastante, mas sinto que podem ser diferentes quando captados de forma mais intimista ou inesperada... mas nunca soube como o fazer, nunca soube captar uma lágrima de paixão ou um sorriso de infelicidade, uma côr de alegria transparecida num rosto desconhecido. Porque nunca tive os meios.
Pois agora é que vai ser, com a prendinha que acabo de receber da minha mulherzinha muito querida e dedicada... A bela Sony DSLR A-200K, lentes reflex, claro está, 10 ou 11 mega píxeis, etc, etc, etc... uma pequena maravilha à espera de ser explorada, à espera de ser pintada com belas imagens!
Só falta aprender de forma o mais rigorosa possível... mas isso está em vias e em breve poderão apreciar aqui os primeiros resultados!

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

DIA 2: OASIS





Lisboa continua uma cidade intensa. A viagem foi rápida e calma. O Pavilhão Atlântico não estava cheio e a entrada foi psicadélica. Ver os Oasis ao vivo é como desfrutar de uma experiência fulgurante, daquelas que provavelmente só acontecem umas 10 vezes em toda uma vida.
A banda dos irmãos Gallagher oferece um espectáculo cuja produção é a das grandes bandas rock e cujo som feito de melódicos exageros eléctricos é um elixir contra o marasmo quotidiano. Os Oasis produzem uma música que é muito mais que meros resquícios beatlianos, canções cuja contemporaneidade é visível, não só no aparato mediático que é a própria banda, mas pela beleza toldada de alguma violência que a tonifica e lhe dá vida. Temas como "Wonderwall"; "Don't look back in anger " parecem destinados a eternizar-se. "Supersonic", "Rock'n roll star", " Cigarettes and alcohol" traduzem e resumem quase toda a música dos anos 90, e o novíssimo "Dig out your soul" parece constituir uma nova viragem depois da padronização dos últimos álbuns.
Liam Gallagher surgiu no palco do Pavilhão Atlântico , com um muito elegante casaco preto napoleónico, que não tirou até ao final do concerto. Sempre muito selecto e elegante, sempre muito fechado e distinto, até na forma única como se curva debaixo do microfone para cantar de lábios colados ao mesmo. Porém, desta vez afável ao ponto de oferecer ao público duas das suas famigeradas pandeiretas.
De facto, Liam é algo de importante e incontornável além do mero "enfant térrible" do rock. Trata-se de um vocalista de eleição, cuja voz dá um encanto quase infantil aos Oasis, por isso a banda não pode viver sem ele, mesmo quando se diz que é Noel o cérebro.
E Noel - depois de apelar ao público que pedisse a Mourinho para ir treinar o City - ofereceu à plateia belas interpretações incluídas no último álbum Dig out your soul, onde divide a interpretação vocal quase a meias com o irmão. Na verdade temas como "Bag it up", "I´m outta time" ou "Falling down" provaram ontem que os Oasis estão vivos e talvez numa nova era da sua música.
Depois das altas emoções vividas ontem no Pavilhão Atlântico, sinto-me hoje saudoso de "Supersonic", "Champagne supernova" ou do acústico "Don't look back in anger", interpretado pelos milhares do Atlântico, obedecendo em êxtase ao maestro Noel.
O concerto durou cerca de uma hora, logo secundada por mais 40 minutos de "encores" que, tal como acontecera na primeira hora, foram compostos por um intercalar de velhos temas com os novos. E a noite se foi com "I am the Walrus", o tema dos Beatles recorrente na banda de Manchester. Os Oasis a partir e o Porto como horizonte.



DIA 1: TINDERSTICKS




Os Tindersticks actuaram na Casa da Música

Dia de São Valentim, 23h, Casa da Música. A entrada para a sala Suggia processa-se a uma lentidão incomodativa. Os bares e locais itinerantes que a circundam a isso ajudam, mas os hábitos dos portugueses continuam a negligenciar uma pontualidade que devia ser herança dos nossos aliados de sempre. Ingleses. Tindersticks. Começam a actuar às 00h30, depois de um rapaz de voz à Dylan e guitarra afinada ter trauteado umas letras bem interessantes em ritmo que me lembrou muito Spain.
Os Tindersticks, como dizia, são bem ingleses, mas têm muito em comum com a alma mal fadada lusitana. A melancolia que é deles também é nossa, o pessimismo e a dor, sempre a dor amarga e soturna. Continuam como nos velhos tempos, talvez menos pessimistas, mas ultra-românticos na pose, clássicos nos arranjos musicais. As composições orquestrais luxuosas e extremamente elegantes só poderiam ter complemento perfeito na voz grave, soturna, aveludada, danificada pelo Whisky e pelos cigarros, de Stuart Staples.
Já referi neste blog que se ouve Tindersticks e se chora um destino romântico adverso, se cai na depressão e na melancolia. Mas é uma melancolia que é doce e macia. Um sentimento de orgulho na dor, na dependência do amor.
O concerto foi aquilo que esperava, nada de novo, nenhuma desilusão. Apenas o lamento pela ausência de vozes femininas como Isabella Rosselini, Ann Magnusson ou Nancy Sinatra, pelo silêncio de "Buried bones", "Jism" ou "Marbles". De resto, os Tindersticks intercalaram velhas faixas como "Dying Slowly", "Sleepy song", "She's gone" ou "Her" com praticamente todas as faixas do último Hungry Saw. Destaco "Yesterday tomorrows", "The flicker of a little girl" ou esse hino aos apaixonados que é "Boobar, come back to me".
No final, alguma mágoa pessoal pelo ambiente de quase adeus aos Tindersticks ao vivo, a emoção de "Tiny tears" e a conviccção de que a maturidade estará próxima, tão próxima como estiveram os cabelos grisalhos de Staples.
Belo dia de S. Valentim, sim.
(fotos Blitz)






quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

TÉDIO BOYS


Banda de Coimbra com uma história ímpar em Portugal. Apesar de não terem tido grande mediatismo a sua influência na música portuguesa é enorme, por ter gerado várias bandas como d3Ö, Wraygunn e Bunnyranch. Nasceram como um lado B da banda É Mas Foice
Começaram por tocar nas ruas da cidade de Coimbra, tendo sido expulsos pela polícia. Mais tarde tocam no palco da Queima das fitas, espetáculo que ficou marcado pela actuação em nudez dos seus elementos.
O nome da banda vêm, segundo o vocalista Toni Fortuna, do tédio que se vivia na cidade de Coimbra na altura.
O grande sucesso da banda fez-se nos EUA, onde fizeram várias digressões.
"Filhos do Tédio", é um documentário com cerca de 48 minutos de Rodrigo Fernandes e Rita Alcaire sobre o percurso desta mítica banda.
Actualmente, os vários elementos têm outros projectos. Toni canta nos d3Ö, Kaló está nos Bunnyranch como baterista e vocalista. O guitarrista Vitinho agitou Londres com The Parkisons e Paulo Furtado conhece o êxito com os WrayGunn e o seu projecto a solo Lengendary Tiger Man.
Wikipedia


Os Tédio Boys eram uma referência musical sempre presente quando vagueava por Coimbra em tempos estudantis. Espécie de bandeira cosmopolita de circuitos independentes da música coimbrã, constava que os Tédio tinham sucesso nos liceus americanos como ninguém, mas o que é certo é que a música estridente de cariz rockabilly da banda do actual Legendary Tiger Man ecoava pelas noites tertulianas de atmosfera mais freakItálico e pelas latadas que acabavam em Maio.
Recordo especialmente um concerto a que assisti no célebre (mini) auditório da AAC com o meu amigo João Paublita. Era, se bem me recordo, um dia de semana ao fim da tarde, ambiente até nada propício a esse tipo de eventos. Várias pessoas foram enchendo o auditório, não seriam mais do que umas 50, porque aquilo não levava mais.
Os Tédio Boys entraram como qualquer banda, mas a determinada altura lembro-me de cadeiras amontoadas no canto do auditório, outras ainda a voar para o mesmo sítio e o pessoal em saltos e gritos demoníacos, tal era o frenesim causado pelo som dos rapazes do rock. Ainda hoje recordo a metamorfose repentina que foi aquele micro-concerto, a dimensão gigantesca que de repente ganhou, com as janelas tapadas por caras ávidas para entrar.
E este é o melhor elogio que posso fazer à rapaziada que acompanhava um Paulo Furtado de pose serena e imperturbável, o único que mantinha a compostura.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Cinema


DEAD MAN, DE JIM JARMUSCH

Dead Man (1995) é poético na sua fotografia, poético no seu enredo, poético na filosofia que transmite, poético na música, poético no idealismo transmitido pelo seu epílogo.
William Blake (Johnny Depp), um contabilista de Clevelend faz uma viagem, física e espiritual, a um território que lhe é pouco familiar, ao encontro de um emprego que lhe fora prometido numa dessas fábricas produto da Revolução Industrial. Estamos no oeste americano, algures na segunda metade do século XIX. Perdido e ferido, encontra-se com um índio solitário e excêntrico, chamado "nobody", que acredita que Blake é o falecido poeta inglês com o mesmo nome. Nobody e William Blake seguem juntos uma viagem por situações cómicas e violentas. Contrariamente à sua natureza, as circunstâncias transformam Blake num fora-da-lei perseguido, num assassino e num homem cuja integridade física é deficitária, como um cadáver que se arrasta ao sabor da amizade, à procura da paz só encontrada numa passagem etérea final, metaforizada na viagem de barco pelo mar.
Jim Jarmusch coloca o seu foco na mutação temporal entre dois mundos: uma América “índia” que se tranforma numa selva industrial que corrompe o homem. Atirado para um mundo que se revela cruel e caótico, os olhos de William Blake abrem-se para a fragilidade que define a esfera da vida, como se abrem para o valor do amparo das relações humanas e para as crenças num além intocável.
A presença do poeta e pintor Blake, apesar de aparentemente non-sense, é nítida nos cenários e na atmosfera obscura que rodeia o filme: planos de câmara parados, uma excelente fotografia de cenários americanos a preto e branco, um humor subtil e meio bizarro, amigos famosos do cenário underground a contracenarem num gosto musical igualmente underground e bizarro à mistura. Na verdade, a banda sonora do filme resume-se a acordes de guitarra eléctrica (Neil Young) por vezes violentos e sempre sombrios. Outros grandes destaques vão inteiros para um Jonnhy Depp verdadeiramente assombroso no papel de Blake e, faça-se justiça, também para Gary Farmer, personificação perfeita dos índios americanos.
A película pode ser um enfado para o mais comum dos espectadores, e na verdade, quando dei por mim absorvido pelo seu andamento, apercebi-me que nada de surpreendente poderia acontecer, todavia não conseguia parar de ver. Cenas muitas vezes paradas, sem foco de entusiasmo, mas que prendem como num transe hipnótico poderoso. Parece a vida inevitável a desfilar diante de nós, impotentes para a fazer parar ou alterar, apenas convictos da nossa integridade moral e da certeza da justiça final. A condição humana ao melhor estilo.

Jim Jarmusch (born January 22, 1953 in Akron, Ohio)
Filmografia:
Permanent Vacation (1980)
The New World (1981)
Stranger Than Paradise (1982)
Down by Law (1983)
Coffee and Cigarettes (1986)
Mystery Train (1989)
Coffee and Cigarettes - Memphis Version (1989)
Night on Earth (1991)
Coffee and Cigarettes - Somewhere in California (1993)
Dead Man (1995)
Year of the Horse (1997)
Ghost Dog: The Way of the Samurai (1999)
Ten Minutes Older: The Trumpet (2002)
Coffee and Cigarettes (2003)
Broken Flowers (2005)


terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Também este crepúsculo...


Também este crepúsculo nós perdemos.
Ninguém nos viu hoje à tarde de mãos dadas
enquanto a noite azul caía sobre o mundo.

Olhei da minha janela
a festa do poente nas encostas ao longe.

Às vezes como uma moeda
acendia-se um pedaço de sol nas minhas mãos.

Eu recordava-te com a alma apertada
por essa tristeza que tu me conheces.

Onde estavas então?
Entre que gente?
Dizendo que palavras?
Porque vem até mim todo o amor de repente
quando me sinto triste, e te sinto tão longe?

Caiu o livro em que sempre pegamos ao crepúsculo,
e como um cão ferido rodou a minha capa aos pés.

Sempre, sempre te afastas pela tarde
Para onde o crepúsculo corre apagando estátuas.

Pablo Neruda