sexta-feira, 30 de maio de 2008

Mais Música

PLACEBO
Almas gémeas que perduram
Lembro-me de ouvir Nancy boy pela primeira vez por volta de 96 ou 97, no Bergantim, ou Bergas para os clientes habituais, aqueles que se recolhiam de mente abafada às 9h da matina, depois de uma noite por entre fumo de tabaco (?) e vodka, whisky, cerveja, Smiths, The Cure ou Depeche mode. E soou-me muito bem, aquele rock frenético de acordes neo-punk, a lembrar Pixies. Aquela voz feminina agreste de um Brian Molko ainda na fase declaradamente andrógina e travestida. A agressividade dessa voz “caprina” (perdoem-me a analogia) que arranhava a guitarra vibrante do próprio e o baixo de Olsdale, entrando-nos pelos ouvidos num ritmo a suscitar movimento depressivo, numa dança decadente e voluntariamente pessimista e underground.
Há quem o apelide de emo, mas o que é certo é que Molko quer afundar-nos na coqueterie e no glamour do seu rock de nuances pop e atmosfera obscura e depressiva, criando paralelamente ambiências de um romantismo subtil e claramente noctívago, que se funde com bares nocturnos de Londres ou chama a si um revivalismo da cultura Hacienda do início dos anos 80.
Como eu dizia, ouvia Nancy boy, e depois Teenage Angst, e perguntava-me como era possível criar sonoridades rock de tal forma agrestes e ao mesmo tempo voluptuosas e vibrantes. O purismo da voz e da guitarra de Molko em fusão com um baixo proeminente (nunca um baixo teve tal presença) de Stefan Olsdale, a criar faixas de ambiências pop-rock-punk de vertigens electrónicas: tem sido assim a carreira dos Placebo desde que foram criados em 1995 por um belga (Brian Molko) e por um sueco (Stefan Olsdale).
Apesar da associação a Londres, Os Placebo gostam de ser reconhecidos como uma banda europeia. Na verdade, os três elementos iniciais incluíam ainda o suíço Robert Schultzberg, que depressa daria lugar ao britânico Steve Hewitt. De resto, têm vindo a conquistar fama mundial à medida que vêm lançando álbuns de originais. “Without You I’m Nothing”(1998) vem consolidar um estatuto de banda referência do rock alternativo dos anos 90, já atingido com o álbum homónimo de 1996. Este trabalho prepara ainda os seguidores Indie para uma evolução - que já se vislumbrava no obscuro Pure Morning - por caminhos electrónicos que vão dar a “Black Market Music”(2000) e aos albuns subsequentes.
Além da componente electrónica, o terceiro álbum de originais oferece faixas de um rock progressivamente pacificado, de riffs inicialmente agressivos (Days before you came), posteriormente muito pop, e de letras sobre histórias de traumas sexuais de infância mescladas com clichés do mundo contemporâneo. Slave to the wage lembra Sonic Youth e até mesmo Joy Division, mas tem uma dinâmica e um ritmo muito próprios, seguindo uma cadência que impele para a dança, para a adrenalina pura.
“Sleeping with ghosts ”(2003) oferece-nos algumas das mais excitantes faixas pop do início do milénio. This Picture é o ícone do romantismo kitsh que se abateu sobre a banda. Mas a electrónica continua lá, e sairá vencedora em “Meds”(2006), talvez o melhor álbum de uma banda que soube manter uma coerência evolutiva inteligente, um pouco a lembrar o percurso de Depeche Mode.
Ouço hoje Placebo com o mesmo fascínio e entusiasmo do jovem estudante que procurava e descobria bandas independentes nos tempos de faculdade. Porque o tempo passa, mas há coisas (boas) que ficam. Placebo é uma delas. As almas gémeas perduram.
Rodriguez (Maio 2008)

sexta-feira, 16 de maio de 2008

Parágrafo (conto)

Maria sabia que não podia utilizar mais palavras para convencer o pai que dera abrigo àquele pobre homem porque ele estava encharcado e com aspecto muito decadente e frágil. O pai era muito severo, tinha a aura dos líderes incautos, ditadores caseiros que ferem com um simples olhar. Maria temia as represálias. Silenciou a voz suplicante mas terna e irradiante de honestidade. Era tarde, ele até estava fatigado pela faina da liderança rústica. Então ela respirou fundo e enfrentou a hora com coragem. Era uma moça consciente da responsabilidade com que a vida a tinha marcado. Enquanto mulher-divindade, tinha a castidade mas o furor da juventude, era humana, era carne e isso é um fardo. O mísero vulto que batera à porta seria a representação de um mito, o pedinte desprotegido, banido pela classe social que vagueia mais ou menos à toa pelos amargos e incertos ramos da planta mestra de tudo o que existe. Procurava talvez a torre onde tudo é decifrável, de rosto maleável e gasto pelos caprichos das horas. Bateu, de um bater incerto e forçado pelo instinto. Ela abriu, num movimento veemente e ardente, ansiando por Primavera. A máscara do pobre aparente homem caíra no preciso momento em que disse algumas palavras desarticuladas. Maria entregou o seu olhar àquele coração. Suspirou e lamentou interiormente sua sorte. O amor é um sentimento traidor, porque não tem condição nem princípios. O homem temia ter encontrado a morte naquele dia de atmosfera sombria. Desejou-a como quem deseja uma mulher voluptuosa e susceptível. Era a sua salvação. Mas Maria era vida. Entrou a pedido dela. Falou-lhe do seu destino de infortúnio e dor. Amor, nunca tinha conhecido, porque soube cair no seu estado marginal com competência. Nenhuma mulher alguma vez olharia para ele sem o sentimento da piedade. Bebeu um café que cheirava a rosas secas e ao sorvê-lo sentiu uma doce pulsação que podia entreabrir naquele instante as portas ao amor. Bastava um olhar terno. Mas o olhar não chegou naquela fracção de segundo. O Acaso, sempre leviano, impediu de forma descarada o florescer desse sentimento tão ardente quanto letal. A competência venceu mais uma vez. Mas a sorte é efémera. Um dia o mendigo seria vencido. Talvez pelo amor. Talvez pelo Acaso.
(27 Jan. 2008)

terça-feira, 13 de maio de 2008

FINALMENTE FALO DE MÚSICA...

Descobri Cousteau há uns anos quando um amigo, que não era propriamente um fã da vida submarina, falava muito nesse nome. Os Cousteau são uma banda londrina cujo primeiro álbum, homónimo, data de 2000. depois do abandono do compositor Davey Ray Moor, a banda é composta basicamente por 3 elementos: Liam McKahey (lyrics, vocals, percussion), Robin Brown (guitars) e Joe Peet (bass guitar, violin).
Quando se ouve faixas como Last good day of the year (Cousteau, 2000) ou Nothing so bad (Sirena, 2002) sentimos uma cumplicidade e um aconchego de alma que nos faz sentir bem sendo pessoas tristes. O Romantismo não é propriamente uma doença, antes um estilo nublado de sentir emoções fortes, uma forma de encanto etéreo que nos transporta ao limite da essência humana. E o Romantismo está na voz grave de McKahey como em nenhuma outra, voz cuja essência é whisky misturado com cigarros, é melancolia nocturna de desilusões turvadas por uma ânsia de novo amor. Black heart of mine (Nova Scotia, 2005) (sim, o nome deste blogue foi tirado daqui…) é a música do ano (2005), melodia épica que se transforma em música pop de matizes rock. A soberba guitarra de Robin Brown atinge patamares arrepiantes e, pese embora as devidas diferenças, as mutações da faixa quase lembram Paranoid Android (Radiohead). De resto, é notória uma viragem em Nova Scotia relativamente aos trabalhos anteriores, mais intimistas e acústicos, onde a voz de Liam McKahey se impunha como elemento proeminente. Nova Scotia cresce em teclas e bateria, como escurece nas letras, tornando-se um álbum claramente mais eléctrico e ao mesmo tempo mais obscuro do que os anteriores.
Cousteau tem tanto de Tindersticks como de David Bowie, de Burt Bacharach ou mesmo de Nick Cave, numa música a lembrar cortinas de rosas nubladas que tapam janelas de dias cinzentos e melancólicos. Hei-de falar aqui de Tindersticks, sim Senhor, mas para já começo esta “página musical” em grande, com uma banda marcante que aconselho vivamente.
Black Heart Of Mine
Sunny arid noon
It's the kind of day
That makes you pay for believing
In love
I can only ruin
Can the devil see
What's inside of me
How long can it be
I’ll see him soon
There's no fight left in me
I long for the touch of a valkyrie
But no heroe's feast is waiting down below
This blackheart of mine
Is stained beyond redemption
But I'm hoping your love will shine
And you'll make this one exception
Forgiving and divine
That is your reputation
But you're taking your time
Regarding my salvation
Cold lonely moon
Shines the kind of light that makes the night
Seem so evil These voices in my room
The whispers tell
Of an empty shell
Where my soul did dwell
Now the darkness looms
(Cousteau, Nova Scotia)

sexta-feira, 9 de maio de 2008

COUPLING

PARA OS AMANTES DE SEINFELD...
Coupling é hilariante no criar de situações a partir das complicadas relações entre os casais. O sexo, o amor, a insegurança masculina e a leviandade feminina mesclada com uma sagacidade relativamente ao sexo são aspectos muito bem tratados num jeito bem britânico de fazer humor. Não se pense que se trata aqui do típico humor inglês de Monty Python, por vezes rebuscado ou “erudito”. A série é um desfilar de personagens e situações modernas bem à maneira de “Seinfeld”, por vezes meio patetas (não tanto como em Seinfeld, sabemos como os americanos são imbatíveis na patetice…), mas sem dúvida inteligentes e corrosivas.
Jeff é uma espécie de fusão britânica de um George Constanza e de um Kramer, apesar das diferenças físicas relativamente ao primeiro: os seus caracteres têm muito em comum na insegurança perante o sexo oposto (Jeff-George), numa maturidade bem típica de uma criança de 10 anos (Jeff-Kramer-George), na versatilidade enquanto personagens puramente cómicas de gestos bizarros (Jeff-Kramer). De resto, poderíamos encontrar paralelo em algumas outras personagens de ambas as séries. Mesmo sendo fã incondicional de Seinfeld, considero Coupling mais inteligente. Pena que se tenha ficado, segundo sei, pela 4ª série, isto apesar de considerar que as últimas séries de Seinfeld estão gastas e claramente forçadas.

segunda-feira, 5 de maio de 2008

LOST

A série tem os ingredientes ideais para cativar a atenção de um espectador cansado das imagens actuais carregadas de tecnologia informática e de labirintos de investigações. Uma ilha paradisíaca onde parecemos mergulhar como numas férias impensáveis. À partida tudo parece entretenimento. Puro. Mas não é só. Está lá o imaginário de Júlio Verne, mas está muito mais. Está mistério, um mistério que parece indecifrável, mas que causa vertigem à medida que os episódios avançam em catadupa. Está lá essa fantástica técnica da analepse aplicada ao cinema em estilo de flash-back, utilizado em Lost com mestria e de uma forma inovadora, cruzando-se inclusivamente com os flash-forwards. A mistura resulta bem quando não é exagerada.
A 1ª série foi a melhor. O mistério e o suspense estavam em índices máximos, porque tudo era possível, todas as hipóteses pertinentes, mas logo improváveis, porque afinal nada se sabia de concreto acerca da ilha. As personagens muito boas. Jack é o herói romântico, cuja queda pelo abismo lhe dá o encanto dos grandes heróis imperfeitos. Locke é complexo dentro da sua instintiva sede de sobrevivência, tem um charme e uma postura que lhe garantem uma presença muito forte na série. Os outros, todos desfilam nas suas histórias de encontros e desencontros, almas que estavam perdidas na vida do mundo cosmopolita, onde toda a comunicação é possível; que se encontram a si próprios e aos outros na ilha, numa forma de comunicação primitiva que realça a sua essência verdadeira.
Desde X-Files que não via uma série que me entusiasmasse tanto. Na verdade, os últimos tempos têm sido perdidos na série e sinto-me agora perdido. Porque os episódios da 4ª série estão a chegar ao fim, mas principalmente porque ela entrou num compassar lento e desinteressante. Os episódios arrastam-se entre flash-backs e flash-forwards cruzados ao extremo para confundir o espectador menos atento. de resto, o exagero das analepses e prolepses serve claramente objectivos comerciais. Em termos de argumento, nada de novo, tardam as revelações e cada vez mais é notório que essas revelações são previsíveis.
Para quem nunca acompanhou a série, aconselho vivamente porque suplanta de longe as séries sobre médicos e hospitais preferidas (começam a faltar doenças para o Dr. House tratar) dos espectadores. Mas previno que a excitante viagem ao desconhecido só dura até à 3ª série. Depois… é para os fãs se despedirem sem que fique a sensação de vazio.