sexta-feira, 13 de junho de 2008

Crise

A crise faz-nos vaguear por uma existência limitada em termos materiais, obviamente; atormenta-nos o sono e as horas imensas de trabalho, que se arrasta até a um quase pôr-do-sol que é uma vaga de ar fresco ao fim de mais uma jornada onde tudo parece cinzento, repetitivo, rotineiro ao limite. Rotineiro porque não parece haver esperança.
O maldito crédito subprime americano, que é indissociável da hedionda subida das taxas de juro e da baixa dos mercados bolsistas que conduz ao aumento brusco do preço do petróleo, alterou toda a economia mundial. Este claro sinal da globalização imposta progressivamente pelos americanos é paradigma de uma nova ditadura que, apesar de tudo, nem é capaz de chegar aos países produtores de crude, cuja flexibilidade na oferta desse produto é como se sabe limitada. Daí a subida desenfreada do ouro negro.
Sem querer entrar em teorias políticas para as quais não creio ter vocação, sempre considero a globalização um factor de desagregação, não só cultural, mas também económica. Porque a liberdade comercial sai claramente afectada nesta dependência dos mercados americanos, como se uma peça de dominó caísse e fizesse desmoronar todo o resto. Enquanto português e europeu, sinto-me obviamente condicionado pela americanização do mundo onde vivemos, onde os mais poderosos ditam leis. Aquele adormecimento de que falava no início do texto é resultante do fenómeno anterior. Tudo é monótono e previsível, como se o nosso planeta fosse uma laranja mecânica onde tudo funciona em aparente harmonia. Aparente, sim, apenas. Estamos cada vez mais próximos da realidade profetizada pelos irmãos Wachowski, onde o ser humano é controlado por uma máquina que, neste caso, é uma máquina humana e de interesses económicos. Será a mente humana capaz de se libertar da opressão do tédio americano? Creio que sim, porque é uma mente complexa e inventiva, que passa por estados de adormecimento para depois acordar e se revoltar. A história prova-nos isso. A crise será fugaz também, acredito.
Portugal, pobre país da fragilizada Europa, sofre. Sofre porque a gasolina é mais cara do que em Espanha enquanto o salário mínimo é mais baixo. Que destino cruel este de um povo que parece ter a vertigem do sofrimento, o fado que também se arrasta pelo tempo fora. Já senti muitas vezes que teria sido benéfico para nós se essa mesma história nos tivesse conduzido a uma ausência de D. Afonso Henriques, a um país-potência que teria sido a Península Ibérica. Mas depois penso numa identidade que é de facto forte dentro da sua fragilidade. Portugueses são homens bravos que lutam pela vida como guerreiros cujo poder é incerto porque sofre com circunstâncias adversas. Lembro-me de palavras proferidas por génios lusos, desde Pessoa até Virgílio Ferreira ou Sophia. E sinto algo cá dentro, como quando se ouve o hino num campo verde rodeado de uma turba embalada pelo sentimento patriótico. Acredito que esta nossa capacidade de sofrimento, espírito de sacrifício é um dom tão belo como o fado. A bonança virá, só pode vir.

6 comentários:

Rony disse...

Como dizia Bernardo Soares, heterónimo de Pessoa: "minha pátria é a língua portuguesa".

Ser português, segundo um dos meus poetas de eleição, António Gedeão:

Poema da malta das naus

Lancei ao mar um madeiro,
espetei-lhe um pau e um lençol.
Com palpite marinheiro
medi a altura do sol.

Deu-me o vento de feição,
levou-me ao cabo do mundo.
Pelote de vagabundo,
rebotalho de gibão.

Dormi no dorso das vagas,
pasmei na orla das praias,
arreneguei, roguei pragas,
mordi peloiros e zagaias.

Chamusquei o pêlo hirsuto,
tive o corpo em chagas vivas,
estalaram-me as gengivas,
apodreci de escorbuto.

Com a mão direita benzi-me,
com a direita esganei.
Mil vezes no chão, bati-me,
outras mil me levantei.

Meu riso de dentes podres
ecoou nas sete partidas.
Fundei cidades e vidas,
rompi as arcas e os odres.

Tremi no escuro da selva,
alambique de suores.
Estendi na areia e na relva
mulheres de todas as cores.

Moldei as chaves do mundo
a que outros chamaram seu,
mas quem mergulhou no fundo
Do sonho, esse, fui eu.

O meu sabor é diferente.
Provo-me e saibo-me a sal.
Não se nasce impunemente
nas praias de Portugal.

Rodriguez disse...

Quase caí na tentação de reproduzir um poema da "Mensagem", mas deixo isso para os comentadores. Gosto mto do Gedeão também.

Rodriguez disse...

ah, é verdade, já me esquecia, Bernardo Soares não chegou ao estatuto de heterónimo dos outros 3,é um semi-heterónimo de Fernando Pessoa "porque - como afirma o seu próprio criador - não sendo a personalidade a minha, é, não diferente da minha, mas uma simples mutilação".

Rony disse...

Ser português é vibrar com este poema, é responder um "tudo vale a pena se a alma não é pequena" quando alguém nos pergunta: valeu ou vale a pena?

X. MAR PORTUGUÊS

Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!

Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.

Fernando Pessoa

Rony disse...

Não podia também faltar a Sophia, neste elogio à pátria, no tempo de outras aventuras e lutas...

Pátria

Por um país de pedra e vento duro
Por um país de luz perfeita e clara
Pelo negro da terra e pelo branco do muro

Pelos rostos de silêncio e de paciência
Que a miséria longamente desenhou
Rente aos ossos com toda a exactidão
Do longo relatório irrecusável

E pelos rostos iguais ao sol e ao vento
E pela limpidez das tão amadas
Palavras sempre ditas com paixão
Pela cor e pelo peso das palavras
Pelo concreto silêncio limpo das palavras
Donde se erguem as coisas nomeadas
Pela nudez das palavras deslumbradas

- Pedra rio vento casa
Pranto dia canto alento
Espaço raiz e água
Ó minha pátria e meu centro

Me dói a lua me soluça o mar
E o exílio se inscreve em pleno tempo.

Sophia de Mello Breyner Andresen

Anónimo disse...

Ser português é venerar um seleccionador brasileiro q n percebe nada de bola, come-nos por parvos, leva o nosso dinheiro e ainda mostra arrogância...mmo assim, o povo fica louco qdo ele aparece a sair do autocarro da selecção... Nisso n me sinto nada português.